O frio ocupacional é rotina na vida de muitos trabalhadores brasileiros, pois diversos são ramos industriais que possuem atividades executadas em baixas temperaturas, como áreas alimentícias e portuárias. Esta exposição constante ao frio pode causar diversos malefícios a saúde dos trabalhadores, além de ser causa de diversas reclamações trabalhistas. Sendo assim vamos analisar os principais fatores relacionados a este agente, caracterizado como risco físico. Para analisarmos o frio, precisamos entender primeiramente sobre a temperatura normal do organismo humano e sobre as zonas climáticas do ambiente onde o indivíduo está inserido.
A temperatura corporal normal em humanos é também conhecida pelos conceitos normotermia ou eutermia, e pode variar entre 36,4 °C e 37,6 °C de acordo com o local de medição, condição climática e nível de atividade corporal no momento.
Em adultos saudáveis a média de temperatura durante o dia costuma ser de:
* Temperatura no ânus (ou retal), vagina ou ouvido: em torno de 37,6 °C.
* Temperatura na boca (oral): em torno de 36,8 °C.
* Temperatura nas axilas: em torno de 36,4 °C.
Durante o dia a temperatura corporal de uma pessoa pode variar em média de 0,5 °C sendo mais baixa de madrugada, e mais alta no período da tarde próximo as 17 horas. O mecanismo de controle da temperatura interna do corpo é chamado de termorregulação. O organismo humano busca através deste mecanismo manter a temperatura ideal do corpo, porém em condições adversas podem acontecer a hipertemia, condição em que a temperatura do corpo se eleva acima de 37,9 °C causando a febre ou a hipotermia, condição em que a temperatura do indivíduo fica abaixo de 35 °C. A temperatura baixa do ambiente e do organismo pode ocasionar diversos fatores maléficos ao indivíduo, que serão abordados mais abaixo.
O Brasil tem um vasto território, e por este motivo é dividido em diversas zonas climáticas. Zonas climáticas nada mais são que as divisões dos climas da terra baseado na temperatura média anual e precipitação média do local. Como o Brasil tem grande extensão territorial, é possível identificar diferentes zonas climáticas. As zonas climáticas brasileiras foram subdivididas pelo IBGE no Mapa Climas do Brasil, em 1978. As principiais zonas climáticas do Brasil de acordo com o mapa Climas do Brasil são: Quente (Acima de 18ºC, em todos os meses), Subquente (Entre 15ºC e 18ºC em pelo menos um mês); Mesotérmico Brando (Entre 10ºC e 15ºC); e mesotérmico mediano (Menos de 10°C).
Devido à grande diversidade de zonas climáticas no Brasil, viu se a necessidade de definir o que seria considerado artificialmente frio, para fins trabalhistas. Desta forma foi inserido o Parágrafo Único do Artigo 253 da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) que diz que:
“Parágrafo único - Considera-se artificialmente frio, para os fins do presente artigo, o que for inferior, nas primeira, segunda e terceira zonas climáticas do mapa oficial do Ministério do Trabalho, Industria e Comercio, a 15º (quinze graus), na quarta zona a 12º (doze graus), e nas quinta, sexta e sétima zonas a 10º (dez graus).”
Em razão do Art. 253 em 27 de dezembro de 1994 foi publicado a portaria n° 21 do Ministério do Trabalho. A Portaria dispõe que:
“Considerando que o parágrafo único do artigo 253 da CLT define as temperaturas abaixo das quais se considera artificialmente frio, com base nas zonas climáticas do mapa oficial do Ministério do Trabalho - MTb;
Considerando a necessidade de identificar o referido mapa, resolve:
Art. 1º. O mapa oficial do Ministério do Trabalho, a que se refere o artigo 253 da CLT, a ser considerado, é o mapa "Brasil Climas'' - da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE da SEPLAN, publicado no ano de 1978 e que define as zonas climáticas brasileiras de acordo com a temperatura média anual, a média anual de meses secos e o tipo de vegetação natural.
Art. 2º. Para atender ao disposto no parágrafo único do artigo 253 da CLT, define-se como primeira, segunda e terceira zonas climáticas do mapa oficial do MTb, a zona climática quente, a quarta zona, como a zona climática subquente, e a quinta, sexta e sétima zonas, como a zona climática mesotérmica (branda ou mediana) do mapa referido no artigo 1º desta Portaria.”
A recorrente exposição ao frio sofrida pelo trabalhador pode causar diversos danos a sua saúde, caso as medidas de segurança não sejam tomadas. Abaixo citamos algumas doenças comuns que podem ser causadas pelo frio, ou ter seus casos agravados em exposição a este agente:
1. Urticária: a urticária causada pelo frio é conhecida também como alergia ao frio, e costuma acontecer após o contato do indivíduo com água gelada, objetos gelados ou em caso de pessoas mais sensíveis, a exposição ao ar frio já é o suficiente para aparecerem os primeiros sintomas. A urticária pode ser tanto de origem genética ou adquirida ao longo da vida. Os sintomas mais comuns são coceiras na pele, sensação de dor e queimação, áreas avermelhadas, inchaço nos dedos, feridas e descamação da pele, e em alguns casos vômitos e dores abdominais. O tratamento é feito através de medicamento e evitando contato com locais e substancias gelados que possam desencadear os sintomas
2. Fenômeno de Raynaud: O Fenômeno de Raynaud é caracterizado pela mudança de cor nos pés ou nas mãos em resposta a exposição ao frio ou a situações de estresse. Esta alteração na coloração é devida a baixa circulação e costuma acontecer em três fases: a palidez (dedos brancos), cianose (dedos azuis) e hiperemia (dedos vermelhos). Além da alteração na coloração outros sintomas podem ocorrer, como dores e formigamento.
3. Frosbite: Quando a atividade laboral do indivíduo o expõem em locais com temperatura abaixo de 0°C ou em contato com objetos gélidos, por muito tempo, pode ocorrer o congelamento da pele, formando cristais de gelo na derme e epiderme. A pele fica adormecida e pálida, podendo causar lesões como queimaduras. Em casos mais graves, pode ocorrer a morte do tecido congelado e consequentemente a perda do membro afetado.
4. Pés de imersão: Causada pela baixa circulação sanguínea, devido a exposição dos pés ao frio úmido, a doença conhecida como pés de imersão tem como principais sintomas os pés pálidos, úmidos, gélidos e dormentes. A melhor prevenção neste caso é o uso dos EPIs corretos, mantendo os pés secos.
5. Queimaduras: A exposição constante a ambientes frios pode causas queimaduras na pele, sendo esta uma condição mais leve de todas que podem ocorrer por exposição a baixas temperaturas. As áreas afetadas comumente ficam avermelhadas e dormentes e o tratamento e feito por reaquecimento destas áreas.
6. Perniose: As pernioses são feridas ou inchaços que ocorrem na pele após a exposição do indivíduo a áreas com temperaturas muito baixas. Pessoas que possuem o Fenômeno de Raynald podem ser acometidas cm maior facilidade pelas pernioses. Os sintomas mais comuns desta condição são manchas vermelhas e arroxeadas, coceiras e inchaço. As pernioses geralmente se curam sozinhas em algumas semanas, mas a não exposição a ambientes com temperaturas baixas neste período é fundamental.
7. Ulceração: Assim como as outras condições já citadas as ulcerações na pele acontecem também como resposta a exposição constante a temperaturas baixas. As ulcerações consistem no congelamento dos membros e tecidos dos pés, mãos, nariz, orelhas e outras partes do corpo, que geram pele pálida, enrijecida, dores e bolhas.
8. Hipotermia: De todas as condições acima causadas pelo frio, a hipotermia certamente é a mais grave. Ocorre após um longo período exposto a temperaturas extremamente baixa sem os meios de proteção adequados. A hipotermia acontece quando o corpo dissipa mais calor do que produz, nessas situações a temperatura corporal costuma ficar entre 34ºC e 35ºC. Em casos de hipotermia o indivíduo começa a perder a sensibilidade, e aos poucos vai deixando de sentir frio e dor. A hipotermia pode causas também, confusão mental, alucinações, arrepios, fraqueza muscular, adormecimento e em casos mais graves quando a pessoa não é socorrida a tempo parada cardíaca e morte. Em casos de hipotermia o tratamento deve ser rápido, chamando a ambulância imediatamente. Enquanto se aguarda a chegada da ambulância, deve se dar início aos procedimentos básicos, retirando-se as roupas molhadas, envolvendo a vítima em cobertores ou mantas térmicas e fornecendo bebidas quentes.
Como já descrito anteriormente sabe-se que hoje no Brasil há uma grande quantidade de trabalhadores expostos a temperaturas extremamente baixas em seus ambientes de trabalho. O Brasil hoje é um dos maiores exportadores de carnes do mundo, se levarmos em consideração somente a área frigorífera já teremos assim uma grande quantidade de trabalhadores expostos a este agente. Porém além desta área predominante, tem-se ainda outras áreas do ramo alimentício bem como a área portuária. Foi visto também que a exposição prolongada ao frio pode ser fonte geradora de diversos danos a saúde dos colaboradores.
Devido a isto, visando principalmente a proteção da integridade física e da saúde dos trabalhadores que atuam diariamente nestas áreas, estando expostos constantemente ao frio, ao longo dos anos a legislação referente a este assunto foi se tornando mais robusta.
A fim de evitar que trabalhadores que exerce atividades no interior de câmaras frias ficassem integralmente nestes ambientes foi publicado em 1° de maio de 1943:
“DECRETO – LEI N° 5.452, DE 1° DE MAIO DE 1943 - Consolidação das Leis do Trabalho
SEÇÃO VII
DOS SERVIÇOS FRIGORÍFICOS
Art. 253 - Para os empregados que trabalham no interior das câmaras frigoríficas e para os que movimentam mercadorias do ambiente quente ou normal para o frio e vice-versa, depois de 1 (uma) hora e 40 (quarenta) minutos de trabalho contínuo, será assegurado um período de 20 (vinte) minutos de repouso, computado esse intervalo como de trabalho efetivo.
Parágrafo único - Considera-se artificialmente frio, para os fins do presente artigo, o que for inferior, nas primeira, segunda e terceira zonas climáticas do mapa oficial do Ministério do Trabalho, Industria e Comercio, a 15º (quinze graus), na quarta zona a 12º (doze graus), e nas quinta, sexta e sétima zonas a 10º (dez graus). ”
Ainda sobre as pausas para trabalhadores de áreas artificialmente frias, foi publicada em 25 de setembro de 2012 a Súmula 438 do Tribunal Superior do Trabalho, trazendo que:
“SÚMULA N.º 438 -INTERVALO PARA RECUPERAÇÃO TÉRMICA DO EMPREGADO. AMBIENTE ARTIFICIALMENTE FRIO. HORAS EXTRAS. ART. 253 DA CLT. APLICAÇÃO ANALÓGICA.
O empregado submetido a trabalho contínuo em ambiente artificialmente frio, nos termos do parágrafo único do art. 253 da CLT, ainda que não labore em câmara frigorífica, tem direito ao intervalo intrajornada previsto no caput do art. 253 da CLT.”
Referindo-se também sobre as pausas para estes ambientes temos o item 29.3.16.2 da NR 29(Norma Regulamentadra de Saúde e Segurança no ambiente de Trabalho), conforme a seguir:
“29.3.16.2 A jornada de trabalho em locais frigorificados deve obedecer a seguinte tabela:”
A NR 36 – Segurança e Saúde no Trabalho em Empresas de abate e Processamento de Carnes e Derivados, traz ainda mais alguns itens relacionados a câmara fria e conforto térmico, que devem ser seguidos no ambiente de trabalho:
36.2.10 Câmaras Frias
36.2.10.1 As câmaras frias devem possuir dispositivo que possibilite abertura das portas pelo interior sem muito esforço, e alarme ou outro sistema de comunicação, que possa ser acionado pelo interior, em caso de emergência.
36.2.10.1.1 As câmaras frias cuja temperatura for igual ou inferior a -18º C devem possuir indicação do tempo máximo de permanência no local.
36.9 Condições ambientais de trabalho
36.9.5 Conforto térmico
36.9.5.1 Devem ser adotadas medidas preventivas individuais e coletivas - técnicas, organizacionais e administrativas, em razão da exposição em ambientes artificialmente refrigerados e ao calor excessivo, para propiciar conforto térmico aos trabalhadores.
36.9.5.1.1 As medidas de prevenção devem envolver, no mínimo:
a) controle da temperatura, da velocidade do ar e da umidade;
b) manutenção constante dos equipamentos;
c) acesso fácil e irrestrito a água fresca;
d) uso de EPI e vestimenta de trabalho compatível com a temperatura do local e da atividade desenvolvida;
e) outras medidas de proteção visando o conforto térmico.
36.9.5.2 Deve ser disponibilizado sistema para aquecimento das mãos próximo dos sanitários ou dos locais de fruição de pausas, quando as atividades manuais forem realizadas em ambientes frios ou exijam contato constante com superfícies e produtos frios.
36.9.5.3 Devem ser adotadas medidas de controle da ventilação ambiental para minimizar a ocorrência de correntes de ar aplicadas diretamente sobre os trabalhadores.
As atividades realizadas em locais artificialmente frios, quando não havendo meios de proteção adequadas podem caracterizar atividade insalubre conforme Anexo 9 da NR 15 abaixo.
“NR 15 - ANEXO N.º 9 FRIO
1. As atividades ou operações executadas no interior de câmaras frigoríficas, ou em locais que apresentem condições similares, que exponham os trabalhadores ao frio, sem a proteção adequada, serão consideradas insalubres em decorrência de laudo de inspeção realizada no local de trabalho.”
A caracterização da atividade como insalubre ou não deverá ser feita através de laudo de inspeção por Engenheiro de Segurança do Trabalho ou Médico do Trabalho, que irá levar em consideração a temperatura do local onde é exercida a atividade, o mapa oficial de zonas climáticas do ministério do trabalho, o tempo de exposição e os EPIs utilizados.
Segundo a NR 6 que dispões dobre os equipamentos de proteção individual a empresa é obrigada a fornecer o EPI ao trabalhador sempre que as medidas de ordem geral não ofereçam completa proteção contra os riscos de acidentes do trabalho ou de doenças profissionais e do trabalho. Ademais, toda a legislação pertinente cita a importância dos EPIs na proteção dos trabalhadores que exercem atividade em áreas artificialmente frias. Os principais EPIs para realizar atividade em câmara fria são: Japona Térmica, calça térmica, luvas térmicas, capuz de proteção, meias térmicas e botas térmicas. Utilizando os EPIs necessários e respeitando as pausas de trabalho conforme tabela da NR 29 os colaboradores certamente estão protegidos e poderão exercer suas atividades com segurança.
• CONHEÇA MAIS A RESPEITO DO RISCO FÍSICO DE FRIO
• CONHEÇA MAIS DETALHES SOBRE O RISCO OCUPACIONAL DE FRIO
Gostou de nossa matéria? Não se esqueça de compartilhar nas redes sociais e deixar seus comentários logo abaixo.