Nos últimos anos, os riscos psicossociais têm ganhado visibilidade nos debates sobre saúde e segurança no trabalho. A conexão entre o ambiente organizacional e o adoecimento psíquico é cada vez mais reconhecida. Fatores como estresse crônico, sobrecarga emocional, assédio moral e pressão por metas vêm provocando quadros de ansiedade, depressão e outros transtornos que impactam diretamente a vida e a produtividade dos trabalhadores.
Segundo dados da Previdência Social, somente os transtornos mentais e comportamentais classificados pelo CID F geraram 462.502 benefícios concedidos no último ano. Os números são expressivos e revelam a gravidade do problema. Entre os códigos mais frequentes, destacam-se:
F41 – Transtornos ansiosos: 137.373 benefícios
F32 – Episódios depressivos: 111.528 benefícios
F43 – Reações ao estresse grave e transtornos de adaptação: 18.857 benefícios
Essas estatísticas refletem um cenário de sofrimento silencioso dentro das organizações, muitas vezes ignorado ou mal interpretado.
A legislação brasileira define como doença ocupacional aquela que é causada ou desencadeada pelo exercício do trabalho. No caso dos transtornos mentais, essa relação pode parecer mais sutil, mas é igualmente concreta. Ambientes de trabalho hostis, jornadas extensas, ausência de reconhecimento, liderança autoritária e metas inatingíveis são gatilhos reconhecidos para o adoecimento mental.
Diferente de um acidente físico, que tem data e hora definida, os transtornos psíquicos se instalam de forma progressiva. O trabalhador muitas vezes segue produtivo por meses ou anos até que os sintomas se tornem incapacitantes. Nesse ponto, a emissão da CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho) torna-se fundamental.
Sim, riscos psicossociais podem gerar a emissão de CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho).
Embora muitas vezes associados somente a acidentes físicos, a legislação também reconhece como doenças ocupacionais os transtornos mentais causados ou agravados pelas condições de trabalho.
Quando há nexo entre o ambiente organizacional e o adoecimento psíquico do trabalhador — como casos de burnout, depressão, síndrome do pânico ou transtornos de ansiedade — é necessário emitir a CAT.
A abertura da CAT nesses casos tem o objetivo de reconhecer formalmente que a doença tem relação direta com o trabalho. Isso permite ao trabalhador acessar benefícios por incapacidade, além de garantir que o caso seja incluído nas estatísticas de vigilância epidemiológica.
É importante reforçar que o reconhecimento da doença não depende apenas da presença de um diagnóstico médico com CID F. A análise deve considerar os fatores psicossociais envolvidos: jornadas exaustivas, metas abusivas, conflitos interpessoais, assédio moral, falta de apoio organizacional, entre outros.
A ausência da CAT, nesses casos, pode levar à classificação equivocada da doença como comum, retirando do trabalhador importantes garantias legais.
A CAT de reabertura é utilizada quando o trabalhador, após retornar ao trabalho por afastamento decorrente de transtorno mental relacionado ao trabalho, volta a apresentar agravamento do quadro ou recidiva da mesma condição.
Diferente do que ocorre com acidentes físicos, o adoecimento psíquico tem natureza progressiva e cíclica. Muitas vezes, o trabalhador retorna ao ambiente que o adoeceu — sem mudanças estruturais, sem acolhimento psicológico ou sem ajustes nas suas funções — e isso favorece a reincidência dos sintomas.
A reabertura da CAT é cabível independentemente do tempo decorrido desde o retorno ao trabalho, desde que haja comprovação de agravamento do estado de saúde ou da persistência dos fatores psicossociais que originaram o adoecimento. Essa possibilidade está respaldada pela Instrução Normativa INSS nº 128/2022, que estabelece:
"Art. 337 - A reabertura da CAT pode ocorrer a qualquer tempo se houver comprovação de agravamento da lesão."
Para que a CAT de reabertura seja aceita, é necessário que o novo afastamento esteja relacionado ao mesmo CID (Código Internacional de Doenças) utilizado anteriormente, demonstrando a continuidade ou agravamento do quadro anterior. Esse procedimento garante que o novo período de afastamento seja tratado como consequência do mesmo acidente ou doença ocupacional já reconhecida, assegurando ao trabalhador os mesmos direitos.
O enfrentamento dos riscos psicossociais exige mudança estrutural nas empresas. Não se trata apenas de oferecer programas de saúde mental ou palestras motivacionais. É necessário repensar o modelo de gestão, valorizar o diálogo, combater o assédio, revisar metas e cargas de trabalho, e promover ambientes psicologicamente seguros.
O sofrimento psíquico dentro das organizações não afeta apenas a saúde do trabalhador — ele também compromete diretamente os resultados do negócio. O adoecimento mental tem reflexos econômicos concretos, muitas vezes invisíveis, mas profundamente danosos à produtividade, ao clima organizacional e à sustentabilidade financeira das empresas.
Um dos principais efeitos é o absenteísmo, ou seja, as faltas ao trabalho motivadas por doenças. Segundo dados da International Labour Organization (ILO), os transtornos mentais estão entre as principais causas de afastamento prolongado. Além disso, cresce o número de casos de presenteísmo, quando o trabalhador está fisicamente presente, mas emocionalmente esgotado, sem conseguir desempenhar suas funções com qualidade.
Esse cenário impacta:
Não se trata de "custos invisíveis". O adoecimento mental tem impacto direto nas finanças. Segundo um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), a depressão e a ansiedade causam uma perda global estimada em US$ 1 trilhão por ano em produtividade. No Brasil, estima-se que empresas perdem bilhões anualmente com licenças médicas e baixa performance associadas a transtornos emocionais.
Investir na saúde mental, portanto, não é apenas um dever ético ou legal — é uma estratégia de gestão inteligente. Ambientes saudáveis geram equipes mais engajadas, criativas e comprometidas com os resultados.
A síndrome de burnout, ou esgotamento profissional, deixou de ser uma preocupação exclusiva da psicologia e passou a ocupar lugar de destaque também na legislação e nas políticas de saúde pública. Em 2022, a Organização Mundial da Saúde (OMS) incluiu oficialmente o burnout na Classificação Internacional de Doenças (CID-11) como um fenômeno ocupacional — reforçando seu nexo direto com o ambiente de trabalho.
De acordo com a definição da OMS, o burnout é resultado de um estresse crônico relacionado ao trabalho que não foi adequadamente gerenciado. Seus principais sintomas envolvem:
A inclusão no CID-11 trouxe avanços importantes, especialmente no reconhecimento formal da síndrome como uma condição que pode e deve ser prevenida pelas organizações. No Brasil, a partir dessa classificação, o burnout passou a ser enquadrado como uma possível doença ocupacional, com direito à emissão de CAT e acesso aos benefícios da Previdência Social, quando comprovado o nexo causal com o trabalho.
Apesar disso, ainda há desafios: muitos casos seguem subnotificados e, frequentemente, são tratados como transtornos comuns de ansiedade ou depressão. Essa confusão dificulta o reconhecimento dos direitos trabalhistas e o acesso a tratamentos adequados.
O combate ao burnout exige mais do que campanhas de conscientização. É preciso rever modelos de gestão baseados em pressão constante, metas abusivas e falta de reconhecimento. Ambientes saudáveis emocionalmente não são um luxo — são uma necessidade.
Mesmo diante dos números expressivos da Previdência Social, estima-se que os casos reais de adoecimento mental ocupacional sejam ainda maiores. A subnotificação é uma realidade frequente.
Muitos trabalhadores sequer procuram atendimento médico por medo de represálias ou por acreditar que seus sintomas são “fraquezas pessoais”.
Além disso, há uma cultura organizacional que tende a minimizar o sofrimento emocional, tratando o estresse e o cansaço mental como parte natural do trabalho. Esse tipo de postura perpetua o adoecimento e impede ações concretas de prevenção.
Os riscos psicossociais estão entre os principais desafios da saúde do trabalhador no século XXI. A crescente concessão de benefícios por transtornos do CID F revela que o sofrimento mental já não pode mais ser ignorado nas discussões sobre saúde e segurança no trabalho.
A correta emissão da CAT — seja ela inicial ou de reabertura — é uma ferramenta poderosa para garantir direitos, mapear riscos e promover ambientes laborais mais saudáveis.
Reconhecer, prevenir e tratar o sofrimento psíquico no trabalho é uma responsabilidade de todos: empresas, Estado, profissionais de saúde e sociedade. E tudo começa com o simples ato de não fechar os olhos.
Gostou de nossa matéria? Não se esqueça de compartilhar nas redes sociais e deixar seus comentários logo abaixo.